quarta-feira, 10 de março de 2010

CNJ aprova reforma penal
Pacotão aprovado ontem prevê monitoramento eletrônico de presos, entre outras mudanças. Algumas novidades dependem do Congresso Nacional

Um documento extenso – quase cem tópicos distribuídos em 154 páginas – e um objetivo apenas: modernizar o sistema penal brasileiro. O Plano de Gestão para o Funcionamento das Varas Criminais e de Execução Penal, exposto à consulta pública por 60 dias, foi aprovado ontem pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O plano contém dois tipos de propostas: por um lado, há resoluções que independem de aprovação legislativa; por outro, há sugestões de mudanças na lei. No segundo caso, as novidades dependem de aprovação do Congresso Nacional para entrar em vigor. Mesmo as resoluções, porém, podem depender de acordos com outras instituições.

“O texto é amplo e aborda, pode-se dizer, a totalidade dos problemas criminais”, avalia o professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Adriano Bretas.

Entre as medidas que independem de aprovação legislativa estão as que tratam, entre outros, de medidas administrativas de segurança e da instituição de mecanismos para controle de prazos de prescrição. Outra proposta de resolução conjunta prevê o uso de sistemas eletrônicos para agilizar a comunicação de prisões em flagrante. O plano aprovado pelo CNJ propõe também uma resolução para assegurar o direito de voto aos presos.

Monitoramento eletrônico

Pela proposta apresentada pelo CNJ, o preso do regime aberto (trabalha de dia e volta para o albergue à noite) poderá ser transferido para o regime domiciliar, caso utilize um sistema de monitoramento eletrônico – o sistema aplicado hoje, segundo o entendimento consensual dos juízes, não tem se mostrado eficaz e alimenta a criminalidade, diz o documento.

Na proposta, o CNJ reconhece que o monitoramento eletrônico tem sido criticado por juristas, sob o argumento de que seria aviltante e provocaria constrangimentos no convívio social. “Mas não se pode deixar de reconhecer que não há nada mais agressivo à dignidade humana do que a prisão, especialmente em razão das precárias condições carcerárias em nosso país”, alerta o órgão.

O CNJ destaca ainda que o monitoramento por meio de tornozeleira, pulseira ou colar é uma alternativa para o cumprimento do regime aberto em sistema domiciliar e só será aplicado se houver a aceitação do preso.

O professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Jacinto Coutinho se diz favorável à medida, se o monitoramento não for uma imposição, mas uma escolha do acusado. “Neste caso é útil e não é inconstitucional”, opina. Já o professor de Direito Processual Penal Adriano Bretas se diz receoso. “O meu medo é banalizar. Tem de passar pelo Congresso Nacional para ver os requisitos legais e hipóteses de cabimento”.

A proposta de alteração legislativa será encaminhada ao Congresso Nacional pelo CNJ. Ainda não há data definida para ser analisada.

Suspensão do Processo

O CNJ tenta ampliar a utilização de mecanismos de consenso e estimular a conciliação no ambiente criminal, o que permitiria ao Poder Judiciário dedicar mais esforços aos casos mais graves. Comum em outros países, no Brasil, pela lei em vigor, o Ministério Público “pode” propor o sistema de suspensão condicional do processo para crimes com pena igual ou inferior a um ano.

Pelo plano aprovado ontem, o CNJ vai sugerir ao Congresso Nacional uma mudança no artigo 89 da Lei 9.099/95. A ideia do CNJ é que essa ferramenta deixe de ser utilizada de forma tão tímida. A mudança prevê que a suspensão condicional do processo “deve” ser proposta pelo Ministério Público em casos de crimes com pena igual ou inferior a dois anos. O processo fica, então, suspenso por 2 a 4 anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime doloso.

“Esta medida é um benefício ao acusado”, avalia o professor Adriano Bretas. “Vai desafogar o Judiciário e vai ao encontro de outras medidas do CNJ, como o mutirão carcerário”, elogia.

A proposta de alteração legislativa será encaminhada ao Congresso Nacional pelo CNJ e ainda não há data definida para ser analisada.

Bens alienados

Esta é uma das mais polêmicas propostas. O órgão sugere o acréscimo do artigo 144-A no Código de Processo Penal. O dispositivo traria a previsão de que o juiz poderia determinar a alienação antecipada de bens apreendidos ou sequestrados sempre que eles estiverem sujeitos a deterioração, depreciação ou quando houver dificuldade para sua manutenção. O produto da alienação ficaria depositado em conta vinculada ao juízo da decisão final do processo, podendo ser convertido em renda para o Estado em caso de condenação, ou em devolução para o acusado, em caso de absolvição.

Para Jacinto Coutinho, a proposta é absurda. “É uma medida inconstitucional. Pode-se bloquear bens, mas alienar (vender) não. Se a pessoa é absolvida, como vai devolver o bem a ela?”, questiona. De acordo com o jurista, a medida contraria o princípio da presunção de inocência. Proposta de alteração legislativa a ser encaminhada ao Congresso Nacional pelo CNJ, ainda sem data definida.

Negociação da Pena

A proposta do CNJ de alteração legislativa aprovada ontem propõe também que a Lei 9.099/95 passe a vigorar com um dispositivo extra, o artigo 89-A. De acordo com o anteprojeto formulado pelo CNJ, o Ministério Público poderá, mediante condições, negociar com o réu a aplicação da pena privativa de liberdade. Nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, a redução pode ser de um a dois terços. Nos demais crimes, a redução seria de um sexto a um terço.

Essa negociação, segundo a proposta, acontece com a presença e aprovação do advogado do réu. Ao Poder Judiciário caberia controlar eventuais desvios da finalidade deste mecanismo.

“O Ministério Público ganha um lugar diferenciado, versatilidade e um espaço maior de resolução”, diz Jacinto Coutinho. A proposta de alteração legislativa será encaminhada ao Congresso Nacional.

Fiança para crimes de todas as espécies

O CNJ defende que o papel da fiança deve ser redefinido no sistema processual. De acordo com o Conselho, a fiança deve ser prevista para toda espécie de crime, especialmente os mais graves e de ordem financeira. Pela proposta, ela serviria como um mecanismo de contracautela, ou seja, a fiança asseguraria à vítima o ressarcimento de pelo menos parte do prejuízo ocasionado pelo delito. A ideia é que para obter liberdade provisória o acusado cumpra as exigências estabelecidas pelo juiz, sob pena de perda do valor pago em fiança.

“Fiança para todas as espécies de crime não significa para todos os crimes”, explica Jacinto Coutinho. De acordo com ele, a proposta enviada ao Senado, para reforma do Código do Processo Penal, prevê que quem não tiver dinheiro para pagar fiança, ao obter liberdade provisória, poderá ficar obrigado a cumprir outras medidas exigidas pelo juiz. Proposta de alteração legislativa a ser encaminhada ao Congresso Nacional pelo CNJ, ainda sem data definida.

fonte www.gazetadopovo.com.br

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